Estilo Possível #10: Quando a moda vai ser levada a sério?
Um desabafo sobre o fato de uma indústria que movimenta bilhões e que tá presente na vida de todos ainda ser taxada de fútil
Oi!
Essa semana eu já tinha rascunhado textos sobre uns cinco temas diferentes pra essa newsletter. Gabriela Hearst deve deixar a Chloé, sustentabilidade, mais um sobre moda e consumo… Fiquei pensando em tanta coisa e acabei decidindo publicar algo mais pessoal.
A forma como eu e muita gente trabalha hoje em dia envolve muita solidão. Acredito que muitos que trabalham como creators, freelas ou que são levados a empreender podem se identificar aqui. Não é só uma questão de fazer todo o trabalho - do planejamento ao financeiro - sozinho, mas é uma espécie de sensação de isolamento, de não saber direito se tá indo no caminho certo.
Há quase 10 anos, apresento o Wanda, um podcast sobre cultura pop e entretenimento que eu amo e que, tirando o tempo que dediquei pro mestrado e dedico pros conteúdos que lanço aqui e ali, é uma das minhas principais ocupações hoje. Normalmente gravamos uma ou duas vezes por semana, por cerca de três horas e esse é o único momento em que tenho companhia no trabalho.
Então, veja só, eu não convivo diretamente com pessoas ligadas ao universo da moda - e talvez isso seja uma bênção.
Mas, logo no começo dessa semana, tive um almoço com uma amiga muito querida, que trabalha com moda, e me dei conta da importância de falar (e não só pensar) nesse assunto. Compartilhar as dúvidas, os erros e acertos, as dificuldades da área, refrescar as ideias foi ótimo e acho que é algo necessário.
Foi uma conversa muito interessante. Falamos muito sobre caminhos profissionais e sobre uma dificuldade que, apesar de todos os avanços na área, ainda é enorme: a moda não é levada a sério.
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O primeiro trabalho acadêmico escrito no Brasil que faz menção ao tema é uma tese de Virgílio Maurício da Rocha defendida na Faculdade de Medicina da Universidade do Brasil, em 1926, com o título “Da mulher – proporções, beleza, deformação, hygiene e sport". Mais tarde, em 1950, Gilda de Mello e Souza, socióloga, ensaísta e professora emérita do Departamento de Filosofia da Universidade de São Paulo, defendeu a tese de doutorado em sociologia intitulada “Moda no Século XIX", um trabalho essencial para a produção acadêmica de moda no Brasil e que mais tarde foi publicado como o livro “O espírito das roupas: a moda no século dezenove".
Na época da publicação, o trabalho de Gilda gerou muita polêmica, foi considerado um fútil por tratar um tema que desviava totalmente dos objetos de estudo “sérios” da sociologia. Como assim ela ia estudar essas coisas de mulher? Tinha que ser outra mulher pra publicar.
Além do machismo, essa reação demonstra que, até o final da década de 50, não havia uma cultura de moda bem desenvolvida no Brasil. Os primeiro movimentos em direção à criação de uma cultura de moda no Brasil aconteceram em 1958, com a criação da Feira Nacional da Indústria Têxtil (Fenit), que durante décadas foi o principal espaço para a apresentação de novidades e desfiles de moda. A partir daí, nasce a primeira geração de estilistas brasileiros reconhecidos nacionalmente, como Dener, Guilherme Guimarães, José Nunes entre outros estilistas.
Apesar de nas décadas de 60 e 70 já existirem alguns movimentos em direção ao desenvolvimento da moda nacional, foi só depois da implantação do plano real em 1994, que a moda brasileira começou a se expandir no âmbito mundial, justamente por haver no mercado melhores condições econômicas para exportação. A partir daí, surgiram os primeiros grandes eventos da moda nacional – Phytoervas Fashion (1993), Morumbi Fashion (1996), SPFW (2001), Fashion Rio (2003) - e os cursos superiores na área começam a se proliferar, impulsionando a produção acadêmica.
Hoje, no Brasil, temos vários cursos superiores e técnicos em moda, com um monte de gente capacitada que chega no mercado todos os anos, a indústria tem um volume de vendas enorme, com mais de 300 milhões de dólares em exportações só nos quatro primeiros meses de 2023 (Abit) e ainda assim… fútil.
Quis citar todo esse histórico porque pra mim, tá mais que óbvio que esse é um tema que tá muito longe de ser leviano (apesar de muita gente que frequenta as semanas de moda se comportar como se fosse).
Na verdade, acredito que entender um pouco mais sobre roupas, consumo, produção têxtil e tudo que tá envolvido nesse universo é fundamental pra gente tentar compreender a nós mesmos, a nossa situação histórica e o mundo moderno.
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Se você ficou com vontade de saber mais sobre Gilda de Mello e Souza, nos dias 27 e 28 de junho (2023) acontece em São Paulo o Colóquio Gilda de Mello e Souza, com mesas redondas sobre a pesquisadora e sua obra.
Para saber mais: