Estilo Possível #11: Pharrell Williams na Louis Vuitton e o novo luxo
Tudo sobre a estreia do artista como diretor criativo da linha masculina da Louis Vuitton
Essa semana várias celebridades se acomodaram sobre a ponte mais antiga de Paris para um dos momentos mais aguardados da moda atual: a estreia de Pharrell Williams como diretor criativo da linha masculina da Louis Vuitton.
Os convidados chegaram à Pont Neuf, fechada exclusivamente para o o desfile, em barcos que atravessaram o rio Sena. Na primeira fila, era possível ver personalidades como Rihanna, A$AP Rocky, Kim Kardashian, Beyoncé e Jay-Z, estes últimos estrategicamente posicionados em assentos ao lado de Bernard Arnault, presidente do grupo LVMH (dono da Louis Vuitton) e um dos homens mais ricos do mundo.
Apesar de não ser a primeira vez de Pharrell criando para a LV e para marcas pertencentes ao grupo LVMH, foram diversas as críticas à sua escolha para o cargo. Também foram muitos os que bateram na tecla dele não ser um estilista com formação e carreira na moda. Além disso, sua nomeação veio com a enorme responsabilidade de seguir os passos de Virgil Abloh, falecido em 2021 e primeiro diretor criativo negro da Louis Vuitton.
A resposta de Pharrell foi apresentar uma coleção coesa, com foco nos acessórios (afinal estamos falando de uma marca que nasceu fabricando bolsas e malas) e que revisita tanto a sua própria história quanto a da LV.
O desfile apresentava várias referências à Virginia, estado norte americano em que ele nasceu, e ao próprio estilo de Pharrell, que é conhecido há anos como um dos mais marcantes do streetwear.
É perceptível também que ele mergulhou nas coleções antigas da marca e deu ênfase à clássica estampa xadrez “Damier”, que foi reintroduzida em diferentes cores, contrastes e materiais, sendo a versão camuflada/pixelada, a mais marcante. Várias celebridades presentes, assim como os membros do coral Voices of Fire, que se apresentou no desfile, e até a própria ponte Neuf estavam cobertos pela estampa.
Alguns detalhes marcantes:
. As várias reedições da bolsa Speedy da LV, em vários tamanhos, cores e estampas. Uma curiosidade é que o modelo Speedy é conhecido por ser um dos mais falsificados do mundo. Em uma entrevista recente ao New York Times, Pharrell disse que as cores e modelos foram inspirados nas réplicas encontradas na "Canal Street”(rua equivalente à 25 de março em Nova York). Segundo ele:
“Eu quero dar a vocês a mesma experiência que têm quando vão à Canal Street, um lugar que se apropriou da casa (Louis Vuitton) por décadas, certo? Vamos reverter isso. Vamos nos inspirar por esse fato e criar bolsas em cores que a casa nunca criou. Mas as faremos com os melhores tipos de couro.”
. A Louis Vuitton é uma marca que tem um histórico bem interessante de colaborações com artistas como Yayoi Kusama, Takashi Murakami e Jeff Koons. Por isso, Pharrell decidiu trazer bordados com os trabalhos de Henry Taylor, um artista que retrata a experiência da comunidade preta em suas obras.
. Toda a coleção é permeada por referências aos anos 1970 e 2000. Assim que assisti o desfile dei um grito quando apareceu o Pusha T vestindo um conjunto de couro estampado: o nascimento do hip hop nos anos 70 estava presente! Foi mais ou menos nessa época que surgiram marcas como a Avirex a Pelle Pelle, que criaram peças icônicas nesse estilo, uma verdadeira revolução para a época.
. Além de trazer referências à cultura hip hop, Pharrell apresentou detalhes carregados de lembranças de seus anos na Virginia. Quem visita o estado, é recebido com uma placa como essa:
E Pharrell se remete à suas origens quando apresenta peças com estampas com a grafia “LV Lovers”. Outra coisa que chama a atenção é que, mesmo sendo esse cara multitalentoso, que se tornou um dos maiores e mais influentes ícones da moda mundial, ele ainda se coloca em uma posição aprendiz, de muita humildade, se referindo a si próprio como o “Pupil King”(Rei Pupilo). Na coleção, ele faz referências aos seus tempos de escola, com estampas trazendo jaquetas com as letras P e A, remetendo à Princess Anne High School.
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Tudo muito bom, tudo muito bem. Achei uma coleção decente para um começo e que ele tem muita coisa para mas agora, eu tô aqui me perguntando:
O que significa ser relevante em um mundo em que já se viu (quase) de tudo?
Muitos pesquisadores já ofereceram modelos para tentar entender como a moda é difundida. Atualmente, dá pra dizer que as principais características dessa propagação é que a moda é altamente organizada e gerida dentro de sistemas de produção cultural, com o objetivo de maximizar a sua difusão, da forma mais rápida possível.
E aí, meus amigos, quem em 2023 estaria mais apto a levar essa moda a um número maior de pessoas do que dezenas de celebridades?
Se a ideia geral da moda de luxo é comunicar status, Bernard Arnault não dá ponto sem nó. Ele e os executivos da LVMH têm plena consciência de que os códigos do luxo mudaram e não é mais apenas sobre ter dinheiro. Para um marca centenária como a Louis Vuitton acompanhar todas as mudanças que vêm acontecendo no mundo e se manter relevante, ela precisa ceder aos deslocamentos culturais e sociais que redefinem a lógica do que se configura como luxo hoje.
E luxo é ter um homem preto, criativo, atento às transformações mundiais e com consciência de sua posição para ocupar um cargo como esse. Trazer Pharrell para a Louis Vuitton, também é trazer sua música, sua cultura, suas relações (uma plateia recheada de celebridades), e criar um show interessante, que tá muito longe de ter só roupas e acessórios como protagonistas.
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Assista o desfile completo:
Amei o didatismo da explicação 🌹
Tua opinião é uma das mais aguardadas sempre, Marina!
Eu estava hesitante com a escolha do Pharrell (muito por conta daquele episódio de apropriação cultural dos óculos Mughal), mas tua avaliação foi muito interessante e certeira sobre a função de produção cultural! Obrigada compartilhar conosco.