Estilo Possível #12: O caso das influenciadoras da Shein
Porque as influenciadoras que visitaram as instalações da Shein na China receberam tanto hate?
"Fique bonito, adoro moda!”
Você certamente já foi impactado por essa frase, acompanhada por imagens de modelos posando para fotos cortadas na altura da cabeça, vestindo as últimas tendências da moda. Um clássico anúncio da Shein. Nos últimos tempos é só abrir qualquer rede social e pronto, existem grandes chances de automaticamente aparecer uma propaganda da empresa.
A varejista chinesa foi fundada por Chris Xu, em 2008, quando atendia pelo nome de ZZKKO, mais tarde trocado por SheInside e depois abreviado para Shein. Desde então, a empresa cresceu muito rápido e se tornou uma marca conhecida internacionalmente pela variedade de oferta de roupas em diferentes modelos e tamanhos e pelo preço baixo.
Nesse processo, a Shein revolucionou o fast-fashion criando o chamado modelo “ultra-fast fashion” - estima-se que entre 2 e 4 mil novos produtos são lançados no e-commerce diariamente. O aplicativo da empresa foi baixado mais de 100 milhões de vezes só em 2019 e uma pesquisa recente da Earnest Analytics aponta que a empresa domina cerca de 28% do mercado de moda rápida. No ano passado, a Shein foi avaliada em 100 bilhões de dólares, se tornando maior que gigantes como Zara e H&M.
Todo esse crescimento foi super facilitado por milhões de compradores que divulgaram resenhas de produtos em posts no TikTok, Youtube e Instagram (experimenta fazer uma busca pela hashtag #SheinHaul).
Mas, claro, toda essa popularidade não veio de graça.
A marca vende roupas como se fossem descartáveis e cada uma das cerca de 1,5 bilhões de peças vendidas só no último ano vem como o seu próprio pacote de impactos ambientais, sociais e culturais. O crescimento da Shein veio a atrelado muito mistério sobre a verdadeira natureza de suas operações (o fundador nunca concedeu uma entrevista). E também a muitos escândalos envolvendo quebra de leis trabalhistas, roupas de qualidade duvidosa, cópias de trabalhos de designers independentes e tóxicos encontrados em peças de roupa.
As críticas - e a possibilidade de abrir suas ações para vendas públicas - levaram a Shein a contratar um head de sustentabilidade no final de 2021. Adam Whinston, é um executivo veterano em ESG (Governança ambiental, social e corporativa) e já prestou serviços para a Disney e JC Penney, mas agora, na minha opinião, arrumou o emprego mais difícil do mundo.
Sob a liderança de Whinston, a Shein passou adotar práticas que a fazem ganhar ares mais politicamente corretos como a criação a Shein Exchange, uma plataforma de venda de peças de roupa de segunda mão; o uso de materiais “sustentáveis” na produção; e, vejam só, ações de publicidade envolvendo influenciadores.
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Sim, resolvi trazer toooodo esse contexto pra gente entender um pouquinho o que é Shein, de onde ela veio e pra onde ela tá querendo ir.
Tudo isso pra comentar aqui as críticas que a empresa sofreu na última semana, quando convidou seis influenciadoras do TikTok para visitar uma de suas fábricas/centros de distribuição na China.
Dani Carbonari, Aujené Butler, Fernanda Stephany Campuzano, Marina Saavedra, Destene Sudduth e Kenya Freeman foram contratadas pela marca pra fazer um tour em uma de suas instalações em Guangzhou, na China, conhecer alguns dos funcionários e gerar conteúdo, além de fazer parte de um documentário sobre a Shein.
Os conteúdos sobre a viagem viralizaram e, ao invés de ajudar mudar a narrativa sobre a Shein, renderam duras críticas à empresa e às influenciadoras. Em um vídeo, uma delas comenta até que os trabalhadores da fábrica “não estão nem suando", como uma alusão aos chamados sweatshops, locais de trabalho com precárias e socialmente inaceitáveis. A modelo Dani Carbonari, em um dos vídeos, se refere à si mesma como repórter investigativa e se aproxima de uma das funcionárias para perguntar como é trabalhar na empresa. E a própria ideia de que essa trabalhadora, diante de um batalhão de marketeiros e uma câmera, daria qualquer resposta honesta é absurda.
Desde então, vários conteúdos foram apagados ou colocados em modo privado. Algumas influenciadoras apagaram também os comentários negativos e outras postaram vídeos se defendendo e justificando a participação na ação para seus seguidores.
Enquanto as influenciadoras mostraram um mundo maravilhoso, o documentário Inside The Shein Machine chamou atenção para um outro lado da Shein: funcionários de diversas fábricas da empresa na China são submetidos à péssimas condições de trabalho, trabalhando cerca de 18h por dia, em locais sem janelas e recebendo menos que um salário mínimo.
Vários comentários nas postagens criticam as participantes da viagem por maquiar essa realidade em troca de dinheiro ou de uma passagem de avião. Outros até vão além, falando que “influenciador tem mesmo é que acabar".
Para a jornalista Taylor Lorenz, existe um motivo perfeito para a Shein ter convidado personalidades das redes sociais e não jornalistas para essa viagem: influenciadores são mais propensos a comprar a narrativa corporativa do que jornalistas e ficar empolgados pelo acesso que estão recebendo. Em grande parte dos conteúdos postados, as influenciadoras se referem à viagem como uma “oportunidade” e listam vários pontos positivos que certamente foram passados pelo time de relações públicas de Shein.
Mas o fato é que a gente vive em um mundo em que cada vez mais as pessoas usam as redes sociais e canais de influenciadores para se informar. De acordo com uma pesquisa recente da Reuters, atualmente menos pessoas confiam nas mídias tradicionais:
“Audiências prestam mais atenção em celebridades, influencers e personalidades das mídias sociais do que em jornalistas em plataformas como o TikTok, Instagram e Snapchat. No report, o TikTok é a rede social com o crescimento mais rápido, usada por 20% de usuários entre 18-24 anos para notícias.”
Portanto, os influenciadores estão muito longe de acabar. Mas acho que cabe à nós (influenciadores e espectadores), entender como ser ético e manter o pensamento crítico diante de tudo o que nos é oferecido pelas redes sociais.
Por exemplo, tudo o que eu falei aqui de ruim sobre a Shein tem razão de ser. A empresa realmente ajuda a perpetuar a cultura do consumo, não oferece transparência com relação à sua cadeia produtiva, tem práticas trabalhistas abusivas.
No entanto, isso não muda o fato de que a Shein é um marca acessível para mais pessoas, tanto pelo preço como por trazer diversos tamanhos de roupas, e que possivelmente sofre muito mais ataques que uma H&M ou uma Zara da vida, não porque existe só uma preocupação com o planeta, mas porque o ocidente tá mais preocupado em manter uma reserva de mercado pra suas próprias empresas.
Afinal de contas, estamos falando aqui de uma marca Chinesa que mordeu 28% do mercado de fast fashion mundial.
Enfim, o resumo é que a gente precisa olhar as coisas de todos os ângulos para tecer uma opinião mais embasada e que considera o pacote completo de uma informação.