Estilo Possível # 14: Greve dos atores, moda e individualismo
Como a greve dos atores de Hollywood afeta a moda e a nossa vida?
No último dia 13 de julho, os atores de Hollywood se uniram aos roteiristas em uma paralização. Os mais de 160mil artistas afiliados aos sindicatos dos atores (Screen Actors Guild - SAG e American Federation of Television and Radio Artists - AFTRA) entraram em greve pela primeira vez em mais de 40 anos.
Nomes como Meryl Streep, Olivia Wilde e Charlize Theron apoiaram o movimento, que tem reivindicações legítimas, concentradas principalmente em questões financeiras. A classe, entre outras demandas, pede mudanças nos pagamentos residuais, regulamentação do uso de inteligência artificial nas produções.
Nos últimos dias, li um artigo escrito pelas jornalistas Cathleen Chen e Diana Pearl questionando se a moda não poderia ser a próxima indústria afetada pelas paralizações. Isso porque, além de vivermos um momento em que a moda vive em total simbiose com o entretenimento, nos últimos anos tá rolando todo um ressurgimento do movimento trabalhista nos Estados Unidos (e que bom!).
A rede de TV americana CBS reportou um número recorde de paralizações acontecendo no país, com um crescimento de 52% no último ano. Setores como o hoteleiro, portuário e até de cafeterias como Starbucks estão em greve. E, enquanto eu escrevia esse texto fiquei sabendo que em vários lugares da Europa, as companhias áreas e os ferroviários também entraram em greve.
Por isso, não me espantaria em nada o setor da moda também ser afetado de forma mais direta, com paralisações na indústria têxtil e de vestuário.
Como a greve afeta a moda?
Durante a greve, os membros do sindicato não podem atuar nem participar de atividades de promoção dos filmes e séries. Isso fez com que várias produções e premieres de Hollywood parassem, o que tem um impacto enorme em basicamente todas as áreas do entretenimento.
Pensa só quantos profissionais estão envolvidos direta e indiretamente num evento como uma premiere de filme? Assessores de imprensa, produtores, maquiadores, stylists, muita gente que não faz parte do sindicato dos atores tá lá pra garantir que o evento seja perfeito e essas pessoas também são afetadas pela greve.
Grandes eventos como lançamentos de filmes e o Festival de Cinema de Veneza (que acontece em setembro) tradicionalmente são espaços para a promoção de grandes marcas de moda. E, apesar dos conglomerados de marcas de luxo terem pouco a perder com a greve, profissionais da beleza e stylists e devem ser os mais afetados nesse processo.
Para grandes players como Gucci, Louis Vuitton, Chanel ou Yves Saint Laurent essa pode ser também uma oportunidade para promover seus próprios eventos e talvez contratar atores para suas campanhas, o que seria uma forma de se manter em evidência mesmo durante a greve.
De acordo com um artigo do WWD, as agências de modelo também estão de olho na paralização. Os atores reivindicam mais transparência no uso de inteligência artificial em produções, o que também afeta diretamente o trabalho dos modelos. Algumas marcas já utilizam essa tecnologia para escanear rostos e corpos, criar um banco de dados de imagens e replicar essas imagens a torto e a direito em suas peças publicitárias, sob o argumento falacioso de que isso criaria “mais diversidade".
É realmente um momento muito confuso, que deve trazer ainda mais discussões acaloradas e ter consequências muito maiores do que o atraso do lançamento da próxima temporada daquela sua séria favorita.
Mas o que eu mais gostaria de ver surgir daí é um pensamento menos individualista.
Pensa aqui comigo, minha mãe é professora. Quando eu era criança, lembro de ir com ela pra passeatas, lembro que tinham greves de professores e que eles sempre foram unidos enquanto classe. Sempre foram representados por um sindicato.
Quando comecei a trabalhar com moda, lembro que uma das minhas primeiras percepções foi: “poxa, é isso, então eu vou ter que fazer tudo sozinha? cadê o sindicato dos personal stylists?".
Dá até vontade de rir pensar nisso. Eu ficava imaginando o sindicato dos criadores de conteúdo, dos freelancers de produção de moda…
E aí logo passava a vontade de rir e eu ficava meio triste porque vivemos mesmo uma era em que as relações de trabalho são super precarizadas, todo mundo é empreendedor de tudo e a gente é até levado a acreditar que isso é bom. Mas e se eu quisesse, sei lá, TER DIREITOS?
Hoje tá todo mundo nadando em direção a alguma coisa, seja em busca de trabalho, de reconhecimento, ou, como diz aquela frase que eu detesto, “em busca da sua melhor versão"…
A individualidade tem um peso grandão nessa história e muita gente acaba reproduzindo estratégias de empresas em suas vidas privadas com o intuito de se sobressair. Mas isso não é culpa sua ou minha. É só como as coisas têm sido organizadas historicamente dentro da lógica de quem vai ter mais lucro nisso ou naquilo.
Nós buscamos, sim, por identidade - mesmo a considerada mais simples como usar uma roupa legal, que nos represente. Só que não podemos esquecer que essa busca tá muito ligada à própria forma como a sociedade contemporânea está estruturada e nos constitui como sujeitos políticos. E política é e sempre foi coletiva.
Sei lá, posso ter viajado aqui, mas tá tudo tão de cabeça pra baixo que essa greve até me deu uma pontinha de esperança. Como já diria uma música que eu amo: "Tá prestes a ficar péssimo, antes de ficar melhor".
também dá vontade de rir aqui... mas de alguma forma faz sentido pensar que essa é a lógica neoliberal: fazer com que cada sujeito seja empreendedor de si mesmo (🫠) e transformar isso num grande feito, mas principalmente individualizar as consequências, as perdas, as falhas, derrotas, sofrimentos.... a conta cai sempre pra gente. apesar disso, de fato vale sempre fazer recortes e pensar em como e porquê surgiram e existem sindicatos em determinadas profissões que foram desde sempre mais precarizadas. amo te ler!!