Esse ano tive a oportunidade de ir pela primeira vez para o South By Southwest (SXSW), um dos maiores festivais de interatividade do mundo, que acontece todos os ano em Austin, no Texas. Lá assisti várias palestras sobre temas como tecnologia e sociedade, uma dela era sobre como o TikTok está redefinindo a jornada de consumo das pessoas.
A palestra foi apresentada por Rachael Ryan, gerente global de pesquisa e insights do TikTok e nesse dia, aprendi várias coisas sobre a plataforma. As duas principais foram: 1) seu posicionamento não é de uma rede social, mas uma plataforma de entretenimento. Ou seja, as pessoas não estão lá pra fazer amigos, mas para se distrair com conteúdos rápidos; 2) o TikTok tem mais de 1 bilhão de usuários ativos mensais e 8 entre cada 10 desses usuários já tomou uma decisão de compra depois de ver um vídeo com produto por lá.
Uma das hashtags mais usadas pelos usuários plataforma é a #TikTokMadeMeBuy (#OTikTokMeFezComprar) que, até o momento da palestra, tinha sido postada mais de 44 bilhões de vezes. Ou seja, pelo menos 44 bilhões decisões de compra foram tomadas e postadas por lá em forma de vídeos rápidos de recomendações.
Essa informação, apesar de ser quase óbvia, explodiu minha cabeça.
Eu acabei de terminar um mestrado sobre moda e sustentabilidade. E, por mais que tente ser mais otimista com relação ao futuro e à consciência ambiental e social, como que dá pra lutar contra bilhões de vídeos estimulando a gente a comprar mais?
Eu mesma trabalho com isso, influencio decisões de compra no Instagram… como dá pra falar sobre sustentabilidade se a gente vive dentro desse sistema? E mais: como falar disso sem que as pessoas pulem para o próximo conteúdo e achem tudo relacionado a esse universo somente algo chato?
****************************
Agora, corta pra alguns meses e mil crises depois, tô aqui na minha casa escrevendo esse texto, que inicialmente era pra ser sobre tendências. Eu acabei de ler uma matéria sobre como a moda tá oficialmente em sua era TikTok-core.
De acordo com a escritora Shakaila Forbes-Bell, as chamadas tendências “core”, também conhecidas como microtendências, são aquelas que têm alcance limitado, chegam e somem de forma muito rápida e se destacam por uma característica chave.
O sufixo “- core” tem sido usado desde 2013, pra denominar estilos como o normcore, caracterizado por roupas consideradas super básicas; o cottagecore, com cores suaves e idealização da vida na natureza; o mais recente Barbiecore, com todos os seus de tons de rosa. As séries do momento também ajudam a fomentar esses universos: com Gossip Girl veio o plazacore, Succession trouxe o quiet luxury e Bridgerton trouxe o regencycore.
A sensação geral é de que as pessoas têm tratado essas microtêndencias como um pack de memes, como uma fantasia rápida, completamente relacionada à elementos estéticos emergentes da cultura pop. Por isso, muitas vezes o visual que surge delas tá muito mais pra uma lista de peças específicas do que pra uma interpretação do estilo que se quer passar. E aí, comprados, usados e fotografados os itens dessa lista, os usuários partem para a próxima tendência.
Isso gera uma sensação de que as próprias roupas e mesmo nosso gosto são descartáveis. O estilo pessoal que lute.
********
Meses depois de sair daquela palestra do TikTok, ainda penso sobre o sentimento de impostora que rolou ali. Mas todo dia paro pra me situar e lembrar que esse ele vem de brinde com a cultura de ultraconsumismo em que a gente vive.
A moda está intimamente ligada ao nosso senso de identidade e isso faz com que comprar uma roupa seja praticamente uma experiência existencial. Estamos sempre em busca de roupas que nos representem, mesmo que temporariamente, e as microtendências são um reflexo disso.
Lá dentro da gente existe essa urgência, essa noção de que a moda vai nos ajudar a nos expressar - o que não é de todo mentira. Porém, é sempre importante lembrar que a indústria da moda é extremamente boa em criar necessidades inexistentes, em fazer com que a gente tenha a eterna sensação de que coisas novas são extremamente essenciais pra nossa vida. E isso pode gerar um looping de frustrações e de senso de inadequação.
Brincar com tendências, experimentar roupas, descobrir novidades, tudo isso pode ser divertido e importante pra descobrir o seu estilo pessoal. Mas entrar no ciclo de insatisfação que as microtendências das redes sociais podem trazer é um tiro no pé.
Acredito que a primeira coisa para tentar mudar esse mindset é entender que a gente vive num mundo que incentiva as mudanças rápidas com base no consumo. É um sistema e fazemos parte dele, mas não precisamos pautar todas as nossas escolhas a partir do mercado.
Buscar se conhecer melhor, aprender mais sobre moda e tomar melhores decisões nesse sentido são os primeiros passos pra sair do looping, pra parar de tentar se encaixar em algo que não acaba e, quem sabe, se sentir mais feliz no processo.
A pergunta que não quer calar: como trazer o papo sobre estilo próprio e sustentabilidade para plataformas que incentivam consumo rápido?
Sigo quebrando a cabeça por aqui também!
Marina, uma provocação:
O mercado de influencers existiria se houvesse só papo sobre estilo próprio? como seria esse mundo distópico onde as pessoas não ficam correndo atrás do último grito da moda?